Acordando antes do nascer o Sol, em um Domingo

Posted By Rafael Reinehr on jul 19, 2020 | 0 comments


Bom dia! Hoje começo uma jornada, a bem da verdade uma trilha, que desejo compartilhar por aqui.

Muitas pessoas tem extrema dificuldade em acordar cedo. Outras, no entanto, dizem preferir estar de pé junto ou mesmo antes  do raiar do dia. Acredito que estou entre esses extremos. Não sou überfã de acordar cedido no más, mas quando algo me move e me motiva, faço sem grande pesar. Com uma dificuldadezinha sim, mas reúno forças para fazer acontecer.

Então, hoje inicia meu processo de Purva Karma. Purva Karma é a primeira de três etapas que compõe o Panchakarma.

Mas o que é o Panchakarma, você me pergunta, querido Diário!

Panchakarma é um extraordinário conjunto de procedimentos que visa mobilizar e eliminar o excesso dos Doshas (Vata, Pitta e Kapha) bem como eliminar Ama (toxinas), produzidas pelo próprio organismo e/ou absorvidas do meio ambiente. Segundo a Medicina Ayurvédica, os estados emocionais, o estilo de vida, a alimentação inadequada, o ambiente e outros fatores produzem acúmulo de Doshas e de Ama, levando ao desequilíbrio do organismo e às diversas doenças, sejam físicas, psíquicas ou sociais. Quando o Dosha em desequilíbrio e Ama são eliminados, o organismo recupera sua capacidade de autorregulação, fortalecendo a imunidade e a resistência, fazendo com que as células funcionem de maneira eficiente e a mente torna-se lúcida e calma. Tudo funcionando bem faz com que tomemos decisões adequadas e vivamos uma vida longa e feliz.

Nessa primeira etapa, o Purva Karma, basicamente é realizada uma dieta que visa impregnar o organismo com óleo ou ghee (manteiga clarificada) associado a ervas medicinais, para mobilizar as toxinas dos tecidos. Realiza-se neste período uma dieta Anti-Ama (não formadora de toxinas), seguindo-se um pequeno ritual:

1. Acordar antes do nascer do sol

2. Ingerir um copo de água morna com 10 gotas de limão

3. Após 15 a 30 minutos ingerir doses crescentes de ghee derretido em banho maria (iniciando em 2 colheres de chá no primeiro dia, aumentando 1 colher ao dia)

4. Logo a seguir ingerir um chá de hortelã, erva-doce, manjericão ou gengibre e repeti-lo em 30, 60 e 90 minutos, permanecendo em jejum por 3 horas

5. O almoço deve ser uma sopa de legumes com temperos como cominho, gengibre e o jantar uma alimentação um pouco mais consistente com arroz, vegetais cozidos, lentilhas e frango é permitido, se não for vegetariano

Na segunda semana, no Ashram Suddha Sabha Yoga Ashram, em Araguari-MG, sob supervisão do Dr. José Ruguê (Swami Narayanananda), acontece a segunda fase, a Paschat Karma, ou fase de eliminação, na qual passaremos por alguns procedimentos para a eliminação dos Doshas e de Ama (das toxinas) como o Vamana ou vômito terapêutico (estômago), o Virechana ou purgação (fígado e intestino delgado), Basti ou enema (intestino grosso), Nasya ou inalação (cabeça, face) e Rakta Mokshana ou terapia com sanguessugas (sangue).

Na terceira fase, chamada Uttara Karma, após a fase de eliminações, prosseguimos com os procedimentos de tonificação do organismo que se devem adotar após o término da eliminação, como as terapias de Rasayana (rejuvenescimento), alimentação, medicamentos, yoga e outros itens que irei descrevendo a seu tempo.

Acho importante situar como cheguei aqui. Em 2018, através de um aplicativo de Meditação chamado Insight Timer, conheci um colega e agora amigo, Dr. Rodrigo Debiasi, oncologista e triatleta. Na época, fazia apenas alguns meses que eu estava meditando diariamente, de forma ininterrupta, e Rodrigo também fazia o mesmo. Marcamos de nos encontrar pessoalmente no seu consultório, Padma Shala. Ao chegar lá, fiquei encantado com o espaço: arquitetura, preocupação com os detalhes, um espaço dedicado a aulas de meditação e yoga, uma energia muito boa (é o que se diz quando nos sentimos bem no lugar, certo?). Então Rodrigo me contou que em alguns meses iria iniciar uma formação em Ayurveda em Porto Alegre, em um espaço no Belém Novo, chamado Povo em Pé.

Eu não estava ligado em Ayurveda na época, sabia vagamente do que se tratava, como alguém interessado em história da medicina e também em culturas orientais, mas nunca tinha dedicado tempo a um estudo aprofundado.

Resolvi dar uma mergulhada exploratória. E gostei do que vi. Resolvi mergulhar mais fundo. Inscrevi-me para a formação, mesmo tendo a consciência de que, o que eu viria a aprender, era muito, muito, muito diferente do que toda minha formação em Medicina Ocidental Alopática tinha me trazido. “Depois eu vejo como lidar com os conflitos”, pensei.

E mergulhei de corpo e alma. Eu adoro narrativas de mundo, de mundos, no caso. Consigo me dar bem com alteridades e outros mundos possíveis. Consigo fazer com que eles permaneçam na minha mente de forma simbiótica sem gerar dissonância cognitiva por um bom tempo, enquanto meu “sistema digestivo mental” analisa cada faceta de cada mundo, lapidando aqui, podando ali até criar um “novo mundo” que faça sentido para mim.

Nas primeiras aulas, o choque foi grande, mas o encanto também. A Cosmogonia Ayurvédica é linda. Entender, pela visão védica, como o mundo surgiu, como todas as coisas e saberes que hoje existem hoje circulam por aí, é interessantíssimo. Mas te convida a aceitar o dogma que vem junto com esta narrativa. Essa é e sempre será, uma escolha sua, assim como está sendo a minha.

Com o andar da vida, com nossas fases de crescimento e desenvolvimento, com o surgimento da Pessoa que somos, o ser singular que cada um é na sua vida, “pegamos para criar” uma série de “verdades” que fazem sentido pra nós em um dado momento.

É lindo poder observar nos filhos a ingenuidade, a despreocupação com as coisas “sérias” do mundo, a capacidade de se divertir imensamente. Pegamos para criar crenças em relação à nossa ocupação ideal, aos nossos relacionamentos, ao estilo de vida que devemos ou não levar. Somos influenciados por família, escola, igreja, mídia, cultura, amigos e, muitas vezes, mais do que influenciados, nos transformamos em fantoches de uma ou mais destas instituições.

Deixamos de ser quem somos. Perdemos a “clareza” mental.

E quem me conhece sabe, tenho uma busca que está sempre em mim, por vezes mais forte, outras nem tanto, por clareza e coerência. A prática de Yoga, a prática da meditação e do mindfulness – a meditação da consciência plena – e tantas outras buscas representam este desejo, nem sempre integralmente vivido tanto quanto sonhado.

E assim, a Ayurveda surgiu como mais uma “ferramenta” na busca dessa clareza, dessa coerência e dessa consciência de “ser quem se é”, de “ser quem eu sou”.

Na Psicologia da Ayurveda, existe uma metáfora bonita sobre a realidade última das coisas, e sobre a clareza. Deixe-me contar:

Na substância da consciência é refletido o conhecimento. Só vamos perceber o que é quando estivermos em completo silêncio. A percepção real da realidade só é conseguida em estado de completo silêncio (meditação), não quando estamos submetidos a pensamentos e emoções. Pensamentos e emoções – nosso dia a dia – geram ondas na superfície do lago, e então só conseguimos perceber estas ondas. A imagem refletida, que é a consciência plena e real do que “é” de fato é só é possível quando o lago está calmo e parado, ou seja em estado de profundo e completo silêncio.

Yoga se alcança quando você realiza a supressão das ondas sobre o lago da mente. Quando se realiza isso, aí se percebe a verdade, a realidade das coisas.  Temos como objetivo gerar um estado de silêncio interior para alcançar o Samadi (êxtase). A percepção direta da verdade. Patanjali diz, quando “Aquele que vê, aquilo que é visto e o olho que vê são um só”.

Uma total integração entre o objeto visto e aquele que vê.

Nossa percepção, no mundo atual, é influenciado pelas ondas (geradas por pensamentos e emoções). A Ayurveda busca gerar saúde neste campo da mente. O objetivo do Yoga é ir além, é trazer uma clareza ímpar e alcançar a iluminação.

É importante a tranquilidade da água (ausência de ondas) mas também a clareza da água. Pois se ela for escura como um pântano, também não reflete nada.  A qualidade ou clareza é classificada como Sattwa (clareza), Rajas (agitação), Tamas (lodo). As ondas (Vritis) são os condicionamentos (o que nos move dessa ou daquele maneira). Os condicionamentos são todas as influências que recebemos nesta, ou em vidas passadas (mas este é assunto para outro momento).

Então, na próxima semana, no Suddha Sabha Yoga Ashram, com este Panchakarma (que irei fazer em mim e também aprender a realizar em meus pacientes) concluo minha Formação em Terapia Ayurvedica mesmo sabendo que os estudos e o aprimoramento nunca param, nunca devem parar quando se trata da buscar pelo melhor para si e para aqueles a quem amamos.

Querido Diário, fique bem, pois agora eu quero aproveitar um pouco do Sol desta manhã linda e na qual, mesmo em meio aos sons dos carros e em meio ao cimento, os passarinhos cantam felizes, celebrando a dádiva da Vida.

Até amanhã!

PS: Este texto foi extraído do meu Diário de Evolução Pessoal, na data de Domingo, 19 de julho de 2020.

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